O Campo Lindo está na dobra da cidade entre o hiper-centro histórico e o novíssimo pólo universitário. Não sendo o centro de coisíssima nenhuma, consegue estar perto de tudo. Lugar discreto onde o Porto por ali ficou esquecido, acaba por se tornar numa boa opção para as famílias de classe média. Por ali, ainda há casas mesmo casas, que não são nem alojamento turístico e nem alojamento académico. Por ali vive-se na pacatez da paz pequeno burguesa.
O terreno de (im)plantação era pouco mais do que uma nesga entre casas, casinhas, quintais, hortas e barracos vários por ali semeados ao longo do tempo. Em tempos, poderia ter sido uma colina bucólica, agora é apenas uma sobra urbana. Para piorar a situação localiza-se num afloramento granítico irregular, cuja natureza permaneceu desconhecida até à abertura das fundações. Dadas as circunstâncias, foi acordada uma estratégia com o cliente: com esta casa não queríamos acrescentar mais ruído à confusão envolvente, pelo que mais valia virarmo-nos para dentro como se nada fosse. E assim foi, viramo-nos para dentro e baixo. Enterramos o assunto, a casa. Ou pelo menos tentámos. A verdade é que esta casa foi projectada contra um muro de regulamentações e de certezas administrativas e quando se projecta algo contra uma superfície dura ela tende a fragmentar-se. Os técnicos municipais ficaram perplexos: onde era afinal de contas o alçado tardoz? Não havia, a coisa estava enterrada aproveitando o doce decline a colina. Que não poderia ser porque havia que respeitar os alinhamentos. Pois bem, soergueu-se um pouco a casa para criar um alçado que fosse alinhável e para que o projecto coubesse dentro do Regulamento Geral das Edificações Urbanas. Esta sentença, ironicamente, veio a revelar-se providencial porque permitiu poupar uns bons milhares de euros ao cliente. Escavar em pedra dura é uma atividade onerosa, aprendemos nós. Neste caso, a mão invisível dos regulamentos escreveu direito por linhas tortas. Do confronto entre a arquitectura e a regulamentação resultou ainda uma outra deformidade: a profundidade proposta para o edifício não era admissível. Assim, partiu-se ao meio a casa e em vez de um único edifício passámos a ter dois, ou seja, um corpo principal e uma extensão funcional no fundo logradouro, aquilo a que com singeleza o técnico municipal chamou de anexo. Simplesmente trata-se de um anexo ligado ao edifício principal por uma galeria em betão, vidro e madeira. Ao processarmos o nosso projecto através da máquina administrativa, esta transformou-o num objecto totalmente outro, totalmente novo. Mesmo assim, por uma questão de honra e seriedade, continuamos a perfilhar a criatura e criamo-la como se fosse nossa. Para compensar o cliente plantou-se-lhe um prado no telhado: conforto e estilo de vida urbana no rés-do-chão, vida no campo no primeiro andar. Era o mínimo que poderíamos oferecer a um homem decente que tudo nos aturou.

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© floret - oficina de arquitectura