Republicamos o artigo de opinião publicado originalmente no Porto24 (edição em papel) de 12 de Junho: o turismo, o mercado imobiliário e os centros históricos. [Adriana Floret]

A notícia de que o mercado imobiliário do centro histórico do Porto acumulou uma valorização de 43% desde 2009 deveria ter feito soar algumas sirenes de alarme. Estes números do Observatório da Reabilitação da Baixa do Porto – que até pecam por defeito – são motivo de justa celebração por parte das entidades públicas e dos agentes do mercado. Ninguém (ou quase ninguém) no início dos anos 2000 apostaria que, em década e meia, o centro histórico viesse a sofrer tamanha valorização. Esta dinâmica reflete-se na economia e no emprego e há, de facto, alguma coisa a acontecer. Até o mais desatento de nós constatará com facilidade que existe uma nova dinâmica nesta zona da cidade, a mesma zona que, recordo, chegou a ser dada por perdida por muitos.

Esta é uma parte da história, a outra parte não é tão radiosa. Este aumento do preço do m2 está diretamente ligado ao aumento da procura por parte de promotores imobiliários, a qual, por sua vez, resulta do aumento exponencial do fluxo turístico e da visibilidade internacional que a cidade almejou nos últimos anos. Nesta «corrida ao ouro» há concorrentes com armas desiguais: desde do jovem licenciado desempregado financiado pelo pé-de-meia dos pais, passando pelos investidores autóctones reconvertidos por força das circunstâncias à reabilitação urbana, até aos investidores estrangeiros que procuram bom porto, mesmo que temporário, para os seus investimentos.

No meio deste turbilhão há oportunismos fáceis e negócios difíceis. Há quem aposte em vender os ovos e matar a galinha ao mesmo tempo, o que só poderá ter um bom resultado. Por isso, a primeira sirene a tocar deveria ser a dos reguladores do mercado imobiliário e até nem sei se a própria autarquia não deveria ter uma palavra a dizer a respeito disto. Para a cidade seria interessante que o mercado imobiliário evoluísse de uma forma equilibrada e estável e para tal um pouco mais de ordem e transparência seria benéfico para todos.

Mas a questão maior continua a ser impacto no acesso à habitação na zona histórica da cidade. O Porto entre 2001 e 2011 perdeu cerca de 25000 habitantes e as freguesias do centro histórico foram particularmente fustigadas por esta dinâmica negativa, com variações negativas na ordem dos 35%. Precisamente, o mesmo território agora assolado por uma de hipervalorização imobiliária. Não vou entrar em demagogias fáceis e tentar estabelecer qualquer nexo de causalidade. Conheço muito bem a realidade deste território e sei perfeitamente que as razões que conduziram à sua lenta degradação física e demográfica são complexas, imbrincadas e que ocorreram ao longo de décadas.

No entanto, é óbvio que a maior parte destes investimentos imobiliários licenciados como habitação se destinam, na verdade, ao mercado do turismo. Estes investidores não vêem no arrendamento residencial uma alternativa apetecível. É mais racional arrendar a turistas ou, em alternativa, a estudantes Erasmus, do que às famílias residentes. Todos temos consciência que a crise cortou sem dó nem piedade o poder de compra dos portugueses e também sabemos que apesar de toda a retórica exultante sobre o centro histórico (o melhor lugar do mundo, sempre) esta não tem consequências a nível dos estilos de vida das classes sociais com maior poder de compra. Podem vir a passeio, jantar nos restaurantes neo-tradicionais e tomar um copo, mas não julguem que algum dia se mudarão de armas e bagagens para este lado da cidade. Para além disso, as tipologias que estão a ser lançadas no mercado são tipologias que espremem ao máximo as áreas com o objetivo de conseguir o maior número possível de frações. O resultado é uma quantidade alarmante de T0’s, T1’s e “lofts”, que pelas suas características não se prestam à função de habitação permanente. A não ser que no futuro o Porto venha a ter a maior taxa de divorciados e indivíduos a viver sozinhos de todo a europa.

Um dos desígnios das políticas territoriais nas últimas duas décadas foi a de reabitar o centro. Foi nessa lógica que se instituíram medidas de apoio à reabilitação e se canalizaram consideráveis recursos financeiros e humanos. Todavia, hoje, corremos o risco de ficarmos reféns do nosso próprio sucesso e se isto não faz soar as sirenes em nenhum lado então é porque temos razões para ficar apreensivos.

© floret - oficina de arquitectura